15 . Conúbio da Igreja com a Revolução


15 . Conúbio da Igreja com a Revolução

Na origem da revolução, que é “o ódio de toda a ordem que o homem não estabeleceu e na qual ele não é rei e Deus ao mesmo tempo” encontra-se o orgulho que já tinha sido a causa do pecado de Adão. A revolução na Igreja se explica pelo orgulho de nossos tempos modernos que se crêem tempos novos, tempos em que o homem enfim “compreendeu por si mesmo a sua dignidade, em que tomou uma maior consciência de si mesmo” a tal ponto que se pode falar de metamorfose social e cultural cujos efeitos repercutem sobre a vida religiosa... O próprio movimento da história se torna tão rápido que cada um tem dificuldade em segui-lo... Em poucas palavras, o gênero humano passa duma noção antes estática da ordem das coisas a uma concepção mais dinâmica e evolutiva: daí nasce uma imensa problemática nova que provoca novas análises e novas sínteses”. Estas frases surpreendentes figurando, com muitas outras semelhantes, na exposição preliminar da constituição “A Igreja no mundo deste tempo” auguram mal o retorno ao espírito evangélico; vê-se que este dificilmente sobrevive a tanto movimento e a tantas transformações.
E como compreender o seguinte: ”Uma sociedade de tipo industrial se estende pouco a pouco, transformando radicalmente as concepções da vida em sociedade” senão que se dá como certo o que se deseja ver produzir-se: uma concepção da sociedade que nada terá a ver com a concepção cristã, segundo a doutrina social da Igreja? Tais premissas não poderão senão conduzir a um novo Evangelho, a uma nova religião. Ei-la: “Que eles vivam (os crentes) em união muito estreita com os outros homens de seu tempo e que se esforcem em compreender a fundo suas maneiras de pensar e de sentir, tais como se exprimem na cultura. Que eles unam o conhecimento das ciências e das novas teorias, como as descobertas mais recentes, com os costumes e o ensino da doutrina cristã, para que o senso religioso e a retidão moral caminhem a par, neles, do conhecimento científico e dos incessantes progressos técnicos; eles poderão assim apreciar e interpretar todas as coisas com uma sensibilidade autenticamente cristã” (Gaudium et Spes, 62-6). Singulares conselhos, enquanto que o Evangelho nos manda evitar as doutrinas perversas! E que não se diga que podem ser entendidas de duas maneiras: a catequese atual as entende como queria Schillebeeckx: ela aconselha às crianças freqüentar a escola dos ateus, porque estes têm muito a lhes ensinar e que de resto, para não crer em Deus, eles têm suas razões, que é proveitoso conhecer.
Pode-se também dizer que a primeira frase do capítulo primeiro: ”Crentes e descrentes estão geralmente de acordo neste ponto, que tudo na terra deve ser ordenado ao homem como a seu centro e a seu cume”, se explica no sentido cristão pelo que segue. Ela tem uma significação em si mesma, aquela que precisamente se vê pôr em obra em toda a parte na Igreja pós-conciliar, sob a forma duma salvação reduzida ao desenvolvimento econômico e social da humanidade.
Por minha parte, penso que os crentes que admitirem esta proposição como base comum num diálogo com os descrentes e que unirem as teorias novas com a doutrina cristã perderão a fé, nem mais nem menos. A regra de ouro da Igreja é invertida pelo orgulho dos homens de nosso tempo; não se escuta mais a palavra sempre viva e fecunda de Cristo, mas a do mundo. Este agiornamento se condena por si mesmo. A raiz da desordem atual está neste espírito moderno ou antes modernista que recusa reconhecer o Credo, os mandamentos de Deus e da Igreja, os sacramentos, a moral cristã como a única fonte de renovação para todos os tempos até o fim do mundo. Deslumbrados pelos “progressos da técnica que vão até transformar a face da terra e já se lançam à conquista do espaço” (Gaudium et Spes, 5-1), os homens da Igreja, que não devem ser confundidos com a Igreja, parecem considerar que Nosso Senhor não podia prever a evolução tecnológica de nossa época e que, por conseguinte, sua mensagem não está adaptada a ela.
O sonho dos liberais desde um século e meio consiste em consorciar a Igreja com a revolução. Durante um século e meio também, os Soberanos Pontífices condenaram este catolicismo liberal; citemos, entre os documentos, os mais importantes: a bula Auctorem fidei de Pio VI, contra o concílio de Pistóia, a encíclica Mirari vos de Gregório XVI contra Lamennais, a encíclica Quanta cura e o Syllabus de Pio IX, a encíclica Immortale Dei de Leão XIII, contra o direito novo, os documentos de são Pio X contra “le Sillon” e o modernismo, e especialmente o decreto Lamentabili, a encíclica Divini Redemptoris de Pio XI, contra o comunismo, a encíclica Humani Generis do papa Pio XII.
Todos os papas recusaram o consórcio da Igreja com a revolução, que é uma união adúltera e duma união adúltera não podem provir senão bastardos. O rito da missa é um rito bastardo, os sacramentos, são sacramentos bastardos, nós não sabemos mais se são sacramentos que conferem a graça ou que não a conferem. Os sacerdotes que saem dos seminários são sacerdotes bastardos, não sabem mais o que são; não sabem mais que são ordenados para subir ao altar, oferecer o sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo às almas.
Em nome da revolução padres foram mandados para o cadafalso, religiosas foram perseguidas e assassinadas. Lembrai-vos das barcaças de Nantes que eram afundadas no alto mar depois de terem sido amontoados nelas todos os sacerdotes fiéis. Pois bem, o que a Revolução fez não foi nada em comparação das obras do Vaticano II pois teria sido preferível que os vinte ou trinta mil sacerdotes que abandonaram seu sacerdócio e seu juramento feito diante de Deus tivessem sido martirizados, subido ao cadafalso; aos menos eles teriam salvo sua alma e agora correm o risco de perdê-la.
Dizem-nos que entre estes pobres sacerdotes casados, muitos já se divorciaram, muitos já introduziram pedidos de anulação de casamento em Roma. Chamar-se-á a isto bons frutos do concílio? Vinte mil religiosas, nos Estados Unidos, e quantas outras nos demais países, romperam os votos perpétuos que as uniam a Jesus Cristo, para correrem também para o casamento. Se elas subissem ao cadafalso, teriam ao menos testemunhado sua fé. O sangue dos mártires é semente de cristãos, mas os padres ou os simples fiéis que se aliam ao espírito do mundo não fazem surgir messe nenhuma. É a maior vitória do diabo ter querido destruir a Igreja sem fazer mártires.
A união adúltera da Igreja e da revolução se concretiza pelo diálogo. Nosso Senhor disse: “Ide, ensinai as nações, convertei-as”, mas não falou: “Dialogai com elas sem tentar convertê-las”. O erro e a verdade não são compatíveis entre si, dialogar com o erro é colocar Deus e o demônio no mesmo plano. Eis o que sempre repetiram os papas e o que os cristãos compreendiam facilmente, pois é também uma questão de senso comum. Para impor uma atitude e reflexos diferentes, foi necessário agir sobre os cérebros de modo a tornar modernistas os clérigos chamados a difundir a doutrina nova. É o que se chama a reciclagem, processo de condicionamento destinado a remodelar o próprio instrumento que Deus deu ao homem para conduzir seu julgamento.
Eu fui testemunha duma operação deste gênero na congregação que é a minha, e da qual fui durante certo tempo superior geral. O que se exige em primeiro lugar da pessoa é que ela “reconheça a mudança”: o concílio operou transformações, e por isso é necessário que nós próprios mudemos. Mudança em profundidade, visto que se trata de adaptar as faculdades de raciocínio para fazê-las coincidir com idéias fabricadas arbitrariamente. Nós podemos ler num fascículo editado pela secretaria do arcebispado de Paris, A Fé palavra por palavra: “A segunda operação, mais delicada, consiste em assinalar as maneiras diferentes que têm os cristãos de apreciar, nas diversas mudanças, o fato mesmo da mudança. Esta determinação tem muita importância porque as oposições atuais dizem mais respeito às atitudes espontâneas e inconscientes diante da mudança que ao começo preciso de cada mudança.
“Duas atitudes típicas se delineiam, parece, com a condição de não negligenciar por isso todos os intermediários possíveis. Segundo a primeira cede-se a um certo número de novidades depois de ter verificado que elas se impõem uma após outra. É o caso de muitos cristãos, de muitos católicos, que cedem de degrau em degrau.
“Conforme a segunda, consente-se numa renovação de conjunto de formas da fé cristã à margem duma era cultural inédita. Deixa de assegurar-se sem cessar a fidelidade à fé dos Apóstolos.”
Esta precaução oratória está bem na tradição dos modernistas: eles fazem sempre protestos de seus sentimentos ortodoxos e tranqüilizam, com uma pequena frase, as almas que ficariam espantadas por perspectivas como “a renovação do conjunto das formas da fé cristã à margem duma era cultural inédita”, mas é já muito tarde, quando se se prestou a estas manipulações e será bem o tempo de ocupar-se com a fé dos Apóstolos, quando se tiver demolido completamente a fé!
Uma terceira operação se torna necessária no caso em que se retém o segundo diagnóstico: “O cristão não pode pressentir nisto um risco terrível para a fé. Não vai ela desaparecer pura e simplesmente, ao mesmo tempo que a problemática que a tinha conduzido até aí? Ele pede então uma garantia fundamental que lhe permite ultrapassar as primeiras atitudes estéreis.”
Todos os graus de resistência são então previstos. Que “garantia fundamental” se dá por fim ao neófito? O Espírito Santo. ”O Espírito Santo é precisamente quem assiste os crentes no movimento da história.”
O objetivo está atingido: não há mais magistério, nem dogma, nem hierarquia, nem mesmo Sagrada Escritura, como texto inspirado e historicamente certo: os cristãos são diretamente inspirados pelo Espírito Santo.
Então a Igreja desmorona, o cristão reciclado é abandonado a todas as influências, dócil a todos os slogans, pode-se conduzi-lo aonde se quer, agarrando-se, se ele busca uma garantia a esta afirmação: ”O Vaticano II apresenta seguramente numerosos indícios duma mudança de problemática.”
“A causa próxima e imediata (do modernismo) escreve Pio X na encíclica Pascendi, reside numa perversão de espírito.” A reciclagem cria uma tal perversão naqueles que não a possuíam. E o santo Pontífice cita esta observação de seu predecessor Gregório XVI: ”É um espetáculo lamentável ver até onde vão as divagações da razão humana, desde que se ceda ao espírito de novidade; que contrariamente à advertência do Apóstolo, se pretende saber mais do que é preciso e que, fiando-se demasiadamente em si mesmo, se pensa poder buscar a verdade fora da Igreja, na qual ela se encontra sem a mais leve sombra de erro.”1.

  1. 1. SINGULARI NOS, 1834.